terça-feira, 27 de março de 2007

A primeira cidade invisível

Inutilmente, magnânimo Kublai, tentarei descrever a cidade de Zaira dos altos bastiões. Poderia falar de quantos degraus são feitas as ruas em forma de escada, da circunferência dos arcos dos pórticos, de quais lâminas de zinco são recobertos os tetos; mas sei que seria o mesmo que não dizer nada. A cidade não é feita disso, mas de relações entre a medida do seu espaço e os acontecimentos do passado... a cidade se embebe como uma esponja dessa onda que reflui das recordações e se dilata. Uma descrição de Zaira como é atualmente deveria conter todo o passado de Zaira. Mas a cidade não conta o seu passado, ela o contém como as linhas da mão, escrito nos ângulos das ruas, nas grades das janelas, nos corrimãos das escadas, nas antenas dos pára-raios, nos mastros das bandeiras, cada segmento riscado por arranhões, serradelas, entalhes, esfoladuras.
Ítalo Calvino. As cidades invisíveis

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